YQUEM.UMA PRECIOSIDADE À VENDA

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Essa preciosidade safra 1995. Está à venda por apenas R$ 1.500,00. Os interessados podem consultar através do e-mail coslec@sapo.pt

Há algo de podre no reino de Sauternes, no sudoeste da França, e isso é tudo menos trágico. Quando os cerca de 140 trabalhadores iniciam a colheita da qual nascerá o rei dos vinhos de sobremesa, o Château d’Yquem, é pelas uvas mais podres que eles procuram. Num trabalho paciente, como o de um cão farejando trufas, eles vão atrás – ao longo de 113 hectares e durante seis semanas a partir do início de outubro – das uvas mais escurecidas, com as cascas mais deterioradas, e são justamente essas que eles colhem. Mais uma safra preciosa da bebida que foi cantada em prosa por Marcel Proust e Eça de Queirós, entre outros, está a caminho.


No terreno do Château d’Yquem acontece, antes de mais nada, um fenômeno natural. Em vez das uvas esféricas e consistentes das outras regiões de Bordeaux, poucos quilômetros acima, elas sofrem ali do que os franceses – com seu gosto para dar nome a tudo – chamam de “podridão nobre”. Trata-se da ação de um fungo, Botrytis cinérea, que torna porosa a casca da uva e impede a concentração gradual do sumo, acelerando o acúmulo de açúcar. Mas o que seria desvantagem para um vinho branco se torna o trunfo de um vinho licoroso raro, o único “premier cru supérieur” de sua categoria – há nada menos que 162 anos.

O Yquem, como é conhecido sinteticamente, é tão raro quanto as condições que o permitem existir. A alternância entre períodos úmidos, em que o fungo se multiplica, e períodos secos, em que a uva ganha consistência, caracteriza um microclima. A umidade, traduzida em suave neblina pelas manhãs, é garantida pela proximidade de uma floresta, Landes, no vale Garonne, ali ao lado; e o vento, que sopra no momento em que o sol atinge o zênite, oxigena o amadurecimento da uva. O solo, de colinas onduladas, feito de camadas de tamanhos e ordens diferentes de argila, areia e cascalho, tem a variedade de aromas e ingredientes que o vinhedo requer. Só assim ocorre a reação química perfeita entre fungo e uva, e da podridão se faz o néctar.

Nesse lugar único por sua combinação de atributos geográficos e geológicos, acontece também um fenômeno cultural. Para que o vinho tenha atingido e atinja o padrão de excelência, técnicas e experiências foram desenvolvidas ao longo da história. A família Sauvage d’Yquem é proprietária formal do castelo, uma construção bonita – mais do que a média em Bordeaux – sem ser suntuosa, desde que assim designada por Luís XIV em 1711. Ainda no final do século XVIII, em meio às turbulências da Revolução Francesa, o vinho já era famoso por sua qualidade, extraída de um processo artesanal e rigoroso. Entre seus admiradores da época, estava Thomas Jefferson, um dos pais fundadores americanos, que em carta de 1790 encomendou dez dúzias para o conde de Lur Saluces, então casado com Françoise Joséphine d’Yquem. Muitos estadistas seguiram seu exemplo; sobre a rainha Elisabeth, da Inglaterra, se diz que é muito mais que uma bebedora eventual do vinho.

Foi em 1855, quando Romain-Bertrand d’Yquem comandava o terreno, que o vinho ganhou a denominação de “premier cru supérieur”. Isso significa que nenhum vinho do gênero – nem mesmo o Tokay húngaro ou outros do Sauterne – tem a complexidade de sua estrutura e a persistência de seu aroma. A colheita minuciosa, o cuidado com o posicionamento das vinhas para receber as devidas quantidades de sol e vento, o processo de fermentação em tonéis de carvalho, a inexistência de insumos químicos – tudo isso que o tempo ensinou à família d’Yquem transforma o apanágio da natureza em lenda da vinicultura. Para ter uma idéia, de cada hectare (10 mil metros quadrados) não se produzem mais que 900 litros de vinho, num total de apenas 65 mil garrafas por ano. E houve anos em que, pelo difícil equilíbrio climático, foi necessário dispensar safras inteiras – nove delas no século XX, a última em 1992.

O vinho é composto em 80% de uvas do tipo sémillon e 20% de sauvignon blanc. A sémillon tem mais estrutura, e a sauvignon blanc acrescenta suavidade e aromas. É por isso que a primeira impressão de quem dá um gole de Yquem é a de um veludo fresco, seguida de um tapete de fortes perfumes que incluem especialmente frutas secas como damasco e ameixa, carvalho e canela, além de toques de baunilha e açafrão; em nenhum momento o líquido perde a elegância, garantida por um contraponto de acidez à doçura, benesse do solo quente onde prospera o Botrytis cinérea. Parece produto do que os antigos chamavam de alquimia, e há quem especule que o termo em latim, alchimia, esteja na etimologia de Yquem.

Essa alquimia é tal que um Yquem não precisa ser tomado somente depois das refeições, acompanhando uma sobremesa ou sendo ela mesma. Ele pode estar na entrada, com um foie gras ou com ostras, e seu poderoso olor de almíscar não desaparecerá. Pode coroar pratos principais, especialmente peixes como o linguado e a truta. E vai muito, muito bem com queijos. Quanto às sobremesas, prefira as menos doces, como uma torta de maçã.

Logo, não é de espantar que, em dezembro do ano passado, uma coleção com 135 garrafas de Château d’Yquem, uma de cada safra entre 1860 e 2003, foi vendida por uma casa londrina pelo total de US$ 1,5 milhão. E o vinho branco mais caro da história é também um Yquem, de 1787, adquirido por US$ 90 mil. Agora anote as melhores safras de Yquem nos últimos anos, segundo a maioria dos guias: 1988, 1989, 1990, 1996, 1997, 1998 e 2001. Como todo vinho de personalidade, quanto maior a espera – não menor que oito anos – mais o seu paladar vai agradecer. Uma garrafa da safra 1997, por exemplo, custa R$ 1.850 na Moët Hennessy do Brasil

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