PETRÓLEO: BENÇÃO OU CASTIGO?

terça-feira, 22 de julho de 2008

Acompanhando a descoberta de reservas abundantes em petróleo na área do pré-sal, descortina-se também a polêmica sobre a direção para onde toda esta riqueza vai nos levar. Que pode e vai gerar muito dinheiro, não há dúvidas, pois afinal a lógica do mercado está aqui: os países que não foram agraciados com grandes reservas de petróleo precisam comprar daqueles que produzem. É um dinheiro relativamente fácil, e por conseqüência perigoso.

Juan Pablo Perez, ex-ministro e diplomata da Venezuela (considerado o “pai da OPEP”), ao testemunhar as dificuldades políticas e econômicas causadas pelo petróleo a seu país, afirmou com pesar que, para ele e para a Venezuela, o petróleo nunca foi uma dádiva. Certa vez chegou ao ponto de chamá-lo de “excremento do Diabo”.

É verdade que, mantendo-se as devidas proporções, os grandes produtores de petróleo tiveram (ou ainda têm) economias mais fragilizadas do que aquelas de outros países - como Japão e Alemanha - que jamais contaram com reservas do “ouro negro” (e que passaram boa parte do século XX arrasados por guerras). Hoje, dentre os vinte maiores produtores de petróleo, dezesseis são ditaduras, muitas das quais envolvidas em fortes conflitos militares, e duas são democracias bastante frágeis.

Por outro lado, há de se notar que estamos lidando com uma série de contextos e aspectos político-econômicos distintos, e que equiparar o Brasil de hoje ao que esses países foram no momento de seu próprio surto petrolífero seria um descuido. Não temos, é claro, qualquer intenção de comparar-nos também à Noruega ou aos EUA, países os quais se desenvolveram em larga escala com ajuda do petróleo e que hoje surgem como sociedades muito bem-estruturadas. Somos um caso particular e desta maneira devemos analisar nossa situação.

Uma analogia que podemos traçar neste caso é a hipotética situação de um jovem herdeiro ao receber uma grande fortuna de herança. Sendo este jovem bem estruturado e capaz de administrar suas possibilidades, esta herança poderia multiplicar-se e assim tornar-se capaz de garantir segurança e conforto para várias gerações de sua família. Por outro lado, se sua maneira de encarar a fortuna for indolente, e o dinheiro direcionado para uma vida de excessos, nada sobrará para seus filhos e netos. Assim, seu potencial de desenvolvimento pessoal será completamente anulado, e ao longo dos anos tudo aquilo que lhe chegou como uma dádiva acabará transformando-se em ruína.

Nosso país entra no limiar desta questão, ainda indeciso quanto à sua personalidade. Se por um lado é verdade que a corrupção e a falta de transparência ainda reverberam nas relações econômicas e políticas do país, por outro a evolução existe e tem sido mais rápida do que o esperado. Mesmo com todos os aspectos negativos que as polêmicas do atual governo geraram, é inegável que estamos assistindo à consolidação de nosso processo democrático a cada eleição.

O mundo entra hoje no fim da era do petróleo barato, e o Brasil está na lista dos maiores beneficiados deste novo momento que se precipita. Observe que hoje são especuladas reservas de mais de 60 bilhões de barris, capazes de gerar - a médio prazo - uma produção de (em média) 4 a 5 milhões de barris/dia. Isso significa, considerando que as cotações dificilmente cairão abaixo dos US$ 90,00 (podendo na realidade bater facilmente a casa dos US$200,00) e que consumidores nunca faltarão, que estamos diante de uma realidade econômica capaz de mudar radicalmente nosso país.

A título de exemplo, se em um futuro não muito distante o Brasil exportar apenas 2 milhões de barris/dia e a cotação estiver girando em torno de US$ 150,00, teremos uma receita estimada em 108 bilhões de dólares/ano. Mantida esta receita por 15 anos, o que não é uma previsão de forma alguma utópica, estaremos diante de mais de 1,5 trilhões de dólares (só de exportação).

Não desejamos, é claro, que todo este lucro inscreva o Brasil no “Guiness Book” como o país com o maior número de milionários e bilionários do planeta, portanto, tal qual na analogia do jovem herdeiro, faz-se necessário que o país e aqueles que controlam a Indústria sejam capazes de enxergar esse patrimônio não como dinheiro que jorra do subsolo para o bolso e sim como o recurso que irrigará nosso desenvolvimento.

Propostas sobre como investir os “royalties” e outras receitas do petróleo não faltam. É evidente que a própria Indústria do Petróleo precisará de novos investimentos para se manter produtiva por um prazo satisfatório. Para isso é necessário priorizar a manutenção das reservas, antes de qualquer outro investimento. O investimento social, especialmente em educação, saneamento e infraestrutura, também surge de maneira natural como meio para erguer as bases de um país fortalecido.

Com o capital gerado pelo petróleo, nosso maior desafio passará a ser a identificação das maiores vocações de nosso país, para que saibamos onde e de que maneira investir. Um país com o potencial e o tamanho do Brasil não pode viver de monoculturas e/ou depender somente do petróleo.

O Brasil apresenta, por exemplo, uma forte vocação para tornar-se o "celeiro do mundo”, pois dispomos de milhões de hectares de terra arável disponível, além de abundância de água e excelentes níveis de energia solar. Embora estejamos sempre no topo ou próximos do topo em quesitos como pecuária, café, laranja, soja e cana-de-açúcar, ainda tratamos de maneira desorganizada e amadora nossa produção. Falta inspirar-nos no exemplo da China, que ao ocupar o primeiro lugar (arroz, aço, suínos, pesca, cimento, etc.) trabalha suas possibilidades de maneira tão espetacular que alcança uma distância impressionante de praticamente qualquer outro concorrente.

Ocorre para nós como algo inconcebível que um país com o nosso litoral, superior ao chinês, apresente uma atividade de pesca mais de quarenta vezes menor. Outro exemplo da discrepância da nossa produção é o aço. Com reservas de minério de ferro similares às da China, produzimos 1/6 do aço que produzem os chineses.

Considerando nossa baixa densidade demográfica - 22,18 habitantes por Km² (2006) – é possível projetar o lançamento de parte de nossa população de 188,9 milhões de brasileiros para o interior do país, já que cerca de 85% desta população vive nos grandes centros urbanos, onde a criminalidade e os problemas ambientais apenas seguem aumentando.

É vital também, devemos ressaltar, voltarmos nossos esforços para a preservação e recuperação de nossos rios, águas subterrâneas e solos, pois é este nosso maior patrimônio. Hoje, enquanto o mundo vive sua mais séria crise ambiental em milênios, a manutenção do futuro passa obrigatoriamente por proteger as riquezas naturais do país.

Estamos diante de um ponto de virada da história. Não temos a menor dúvida de que os recursos dos quais dispomos mudarão o destino do país. Como será esse destino, ainda não é possível saber. Mas certo é que o Brasil de hoje vislumbra como nunca a oportunidade de ocupar o lugar que lhe cabe, o espaço de potência que deveria ter sido e ainda não alcançou.

Mauro Kahn & Pedro Nóbrega

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