Em Julho de 1975, Portanto há exatos 33 anos, reportagem da “Memória Viva” da revista O cruzeiro,
Conta como foram as negociações para transferir o astro e empresário falido Pelé para o New York Cosmos. São diálogos imperdíveis que reafirmam a genialidade de Edson Arantes do Nascimento
Levado pela premente necessidade de atender a compromissos financeiros de vulto, 18 anos depois de se ver transformado no maior mito do futebol, Pelé decidiu aceitar uma proposta do New York Cosmos para defendê-lo durante 3 temporadas de 6 meses cada uma, ganhando cerca de 6 milhões de dólares (CR$ 48 milhões), mais 67 por cento sobre todo o merchandising de seu nome, e outras conveniências fabulosas. Para quem havia encerrado a carreira de maneira tão definitiva, a ponto de recusar um lugar na Seleção Brasileira, a decisão de voltar aos estádios foi uma surpresa para os mais renitentes defensores do Rei. Pelé 6 milhões de dólares o preço de um mito Reportagem de GERALDO ROMUALDO Em face de problemas financeiros advindos da falência da Construtora Netuno – empresa associada à Sanitária Santista, da qual era também proprietário juntamente com seu ex-companheiro Zito – e ainda a súbita crise que se abateu sobre a Fiolax carregando nessa corrente de insolvência até o Centro de Fisioterapia que expõe seu nome no alto do expediente da Direção. Pelé não teve outra alternativa senão optar pela proposta supermilionária que o New York Cosmos lhe fez. A proposta, examinada na sua superfície esportiva, significou um compromisso de três temporadas jogando futebol nos Estados Unidos – o equivalente a seis meses de atuação em cada uma, ao todo 85 partidas, ganhando 6 milhões de dólares (48 milhões de cruzeiros) e mais 67 por cento do merchandising que seu nome significa em áreas comerciais diversas. O lado mais grave do processo foi a intimação que ele recebeu da Justiça, no dia 27 de maio deste mesmo ano. Nessa oportunidade, em São Paulo, o juiz Angelo Trigueiros, da 1ª Vara Cível, ordenou a expedição de um edital que os jornais publicaram, anunciando que “Edson Arantes do Nascimento e outros três industriais a ele associadas se manifestassem no prazo de três dias, a contar da data da publicação, sobre o protesto de alienação de seus bens”. O caso tinha direta ligação com um empréstimo bancário concedido à empresa Fiolax – Indústria de Borracha S/A, da qual Pelé e outros industriais participam efetivamente como acionistas ou diretores O processo- Mais adiante, consoante instrumentos particulares elaborados de acordo com a resolução n.º 63 do Banco Central do Brasil, de agosto de 67, firmados em 1 de outubro de 1973 e 21 de março de 1973, um Banco paulista procedeu o repasse dos mútuos contratos com os credores estrangeiros Comptoir Panamericain Siderurgique S/A, de Bruxelas, e Manufactures Hanover Bros. Co., de Nassau, no valor de 700.000 dólares à empresa Fiolax, “da qual Pelé e os industriais José Ely Miranda (o ex-jogador Zito), Jurandyr Moraes Lima e Mituo Terramac participam como diretores ou acionistas”. Como garantia, o Banco recebeu 228 notas promissórias de valores diversos e vencimentos alternados, no período de 1974 e 1984, com os avais de Edson Arantes do Nascimento e dos outros três industriais, no valor total de Cr$ 17. 917.650,00. De acordo ainda com a informação do Banco, o vencimento e não pagamento de inúmeras das prestações a que se obrigou a empresa, “ensejando o protesto cambial de duas das notas promissórias recebidas em garantia, restou a sua mora, acarretando o antecipado vencimento das obrigações assumidas com a exigibilidade do saldo devedor por inteiro”. A dívida atual, de conformidade com o pronunciamento do pessoal do Banco, está garantida por uma hipoteca de imóvel de propriedade da empresa e por 214 notas promissórias no valor total de Cr$ 16.834.050,00. O Banco ainda viria a sublinhar que “é quase desnecessário proclamar que o mútuo foi concedido à empresa Fiolax em razão do aval de Pelé, de renome internacional e de notória idoneidade moral e financeira”. Esse reconhecimento aliviou um pouco a revolta de Pelé. Afinal, quem teria dito que ele não saldaria suas dívidas? Mas segundo o Banco – ele e seus sócios passaram a contestar em Juízo. A alegação era de que “Pelé vem permitindo o total desmoronamento dos empreendimentos que administra”. Nesse passo, mencionou três empresas das quais Pelé participava em nível de diretoria: a Fiolax, que requereu concordata; a Sanitária Santista, que teve sua falência decretada em 1967, e a Plamasa, que está com as suas atividades paralisadas. Por último, o Banco anexou um documento da venda de 341.000 ações nominativas que Pelé possuía. Nada mais se disse, é certo, mas Pelé voltou a manifestar sua justa intenção de, em prazo que pretende ser razoável, provar o contrário. Um mito em apuros- Constrangido por esse volume surpreendente de publicações envolvendo seus negócios particulares, Pelé não vacilou nem mais um instante em topar o desafio lançado pelo Cosmos. Era um direito que tinha, independente da sólida imagem construída, anos após anos, de homem de uma palavra só – imagem irretocável de um mito invulnerável que se projetou com grandeza, no país e no mundo.Mas há momento em que o mito, por mais inconfundível que ele seja, se veja tentado a voltar atrás. Pois foi o que fez. Então, a partir desse escândalo, Pelé não mais vacilou em embarcar depressa na canoa do Cosmos – e por que não? Afinal, se se tratava de um namora tão velho, que motivo havia para não alcançar o casamento? Uma paixão bem antiga- Foi na Jamaica, por volta de 1972, que Pelé manteve seu primeiro contato com os poderosos empresários do lendário Cosmos. Ele já havia se despedido da Seleção Brasileira – conta um inconfidente, seu amigo de Santos – e já cumpria contrato promocional com a Pepsi-Cola, quando o procuraram em nome da Warner Communication, uma agência de imensos recursos nos Estados Unidos, com múltiplos interesses tanto na área do cinema como do rádio e da televisão. O que os emissários da Warner queriam é saber se ele estaria disposto a tirar do marasmo o incipiente futebol norte-americano.Embora os dólares da Warner soassem forte e que a oferta merecia todo respeito, Pelé pediu tempo para pensar. Os homens da Warner, pacientes e obstinados, não se recusaram a atendê-lo. A rigor, o que dificultou basicamente o prosseguimento das demarches naquele instante foi o fato de o contrato com o Santos ainda manter-se em vigor. Uma vez porém que se libertasse de todo – o pressentimento foi geral – passaria a calcular melhor o alcance do convite vantajoso, mesmo que tivesse de romper uma palavra que gostaria de conservar pelo resto da vida. Um adeus sem certeza- No dia 2 de outubro do ano passado, Pelé fez suas despedidas do futebol. Foi um dia de muita festa e muita lágrima. O estadinho do Santos estremeceu de gente para vê-lo pela última vez. Sua apresentação foi digna e estudada. No intervalo do primeiro para o segundo tempo, seguido por um batalhão de meia centena de fotógrafos, ele se ajoelhou no centro do campo, estendeu os braços para a multidão e chorou copiosamente.A dor da saudade não duraria muito. Persuasivos e determinados, carregados de dinheiro, os empresários da Warner voltaram novamente à carga. Desta vez, em Santos mesmo. Presente, a fim de garantir o êxito dos entendimentos, a turma de maior peso da Warner e do próprio Cosmos: Clive Toye, vice-presidente, e Nesuhi Ertegum, gerente de negócios. A cantada não poderia ser mais infalível. Clive soltou a primeira nota: O sacrifício da família- Aconteceu que os norte-americanos não estavam dispostos a ceder, e realmente não cederam. Nesse ritmo, menos de um mês após o último encontro com Toye, Pelé tornou a ser ansiosamente procurado em casa; agora o que a Warner desejava é que o contrato fosse assinado o mais rápido possível, na base de 5 milhões de dólares.Pelé mergulhou na mais profunda indecisão: - Os impostos não impedirão que façamos esse trato. Como de outras feitas, os grandes olhos de Pelé brilharam intensamente, enquanto do seu lado direito e esquerdo corriam abraços e manifestações de contentamento. - O seguinte – ele disse –; primeiro eu quero que me dêem 50 por cento de todo o merchandising a que tenho direito sobre a marca Pelé. E isso, vamos deixar bastante claro, durante seis anos. Algum problema? A voz de Toye era firme e confiante. Pelé não ficou nisso. Quando se esperava que ele não tinha mais obstáculos a apresentar , de novo levantou a voz e declarou: Nesuhi Ertegum, envolto na fumaceira desprendida do havana de Toye, apertou o gatilho pela penúltima vez: Pelé mexeu-se na cadeira, inquieto e sorridente: E Pelé: Os olhos cansados de sono, Clive, Ertegum e De la Sierra preparam-se para ir embora. Era Pelé, de novo; Só não falou em Sinatra. O outro mito que ele, um dia, espera trazer ao Brasil para cantar em homenagem aos seus meninos pobres da futura Fundação Pelé. Assim como diz Chaplin, o pedestal do mito pode ter ficado abalado. Mas o conceito de homem de negócios, jamais. |
1 comentários:
Caro Celso
Recebi o link do seu blog através de uma amiga que temos em comum, Girlene.
Gostaria de parabenizá-lo pela qualidade de sua revista eletrônica, está verdadeiramente fantástica!!!
Voltarei mais vezes, bem como recomendarei p/ meus amigos.
Sucesso sempre!!
Luciene
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