O HOMEM QUE FICOU SÓ

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Em Outubro de 1996, depois de três dias voando entre Nova Iorque, Rio de Janeiro e Miami, os repórteres Celso Mathias e Marcus Monteiro conseguiram entrevistar no escritório de Miami, onde cumpria seu auto-exílio, o então ex-presidente Fernando Collor de Mello. Foi a sua primeira fala após a cassação. A entrevista foi publicada com exclusividade na edição 173 Vida Brasil, há 12 anos atrás

Hoje, Fernando Collor de Mello é Senador da República. A entrevista contínua atual, e mostra como os políticos se acomodam a situações e interesses. Divirta-se nessa síntese da edição original

DEPOIS DO SILÊNCIO
Fernando Collor - Outubro de 1996 - edição n.º 173
Entrevista concedida a Celso Mathias e Marcus Monteiro em Miami - USA


A partir de artigos publicados na imprensa, Vida Brasil decidiu procurar Fernando Collor de Mello para questioná-lo sobre a nova leitura que estão fazendo do período em que ele presidiu o Brasil.
Encontramos o ex-presidente Collor de Mello instalado no 19º andar de um edifício onde advogados locais e empresas como a Air France mantêm seus escritórios. Na entrevista, ele faz uma revisão de seu governo no período que o levou ao impeachment, evita citar nomes de quem ele considera seus algozes e garante que foi deposto por um golpe. O ex-presidente espera o retorno de seus direitos políticos -- cassados pelo Senado Federal - após a sua absolvição pelo Supremo Tribunal Federal, "a mais alta corte da justiça brasileira", como faz questão de lembrar.

VB- O senhor chegou muito cedo a altos cargos políticos. Onde a idade ajudou ou atrapalhou a sua carreira?
- Eu diria que a idade ajudou bastante. Primeiro, por ser um contemporâneo do meu tempo. Por ser uma pessoa engajada nesse novo mundo que apareceu a todos nós neste final de século. Este é um fator positivo. O segundo fator positivo da idade foi a vontade de realizar. A disposição de trabalhar dia e noite servindo integralmente a meu país, ao meu Estado e ao meu Município. Algo que se tivesse mais idade talvez não tivesse mais a disposição, nem tampouco a saúde que lhe é exigida para que você cumpra na sua plenitude o mandato que lhe foi outorgado.

VB- Quais os pontos negativos da pouca idade que podem ter atrapalhado a sua carreira política?
- Os pontos não tão positivos eu diria que são exatamente esse excesso de energia, vitalidade, de vontade de fazer as coisas acontecerem de forma rápida. Esse certo voluntarismo e também o fato de a idade não ter permitido, naquele momento, conhecer melhor a natureza humana.

VB- O senhor teria hoje esse amadurecimento para tratar com os políticos?
- Sem dúvida, o ato de eu ter me dedicado quase que absolutamente à tarefa de administrar o país me deixou pouco tempo para tratar da questão do relacionamento político com o Congresso Nacional. Eu deveria ter dividido meu tempo para dar maior atenção ao mundo político, porque as regras do jogo que estão aí são essas. Isso é uma exigência e, portanto, uma prática da vida pública nacional.

VB- O que o senhor Paulo César Farias representou na sua vida pública? Até onde as ações dele contribuíram para a sua saída da Presidência da República?
- O dr. Paulo César foi um dedicado tesoureiro de campanha do candidato do PRN à Presidência da República. Foi só isso que o doutor Paulo César representou na minha vida pública. As outras lições ficam por conta de especulações que não se comprovaram.

VB- O senhor sabe nominar quem foram os patrocinadores do seu processo de impeachment?
- São vários. São várias pessoas... mas eu não devo homenageá-los citando-os pelo nome. Alguns já não estão mais entre nós. Outros foram julgados e condenados por comprovadas práticas menos nobres ao lidar com o Orçamento da União. Outros foram derrotados nas urnas e outros ainda estão aí exercendo mandatos públicos... enfim, eles sabem quem são. Porque, no fundo, no fundo, lhes dói a consciência a maneira feita, a maneira baixa, covarde... (cerra os punhos e travando os dentes, repete) covarde como eles promoveram o meu impeachment.

VB- A que o senhor atribui o fato de a mídia ter se colocado contra o senhor durante todo esse processo que culminou no seu impeachment?
- (Depois de um longo silêncio) É... isso aí tem... isso aí... Isso aí fará parte do meu livro. Não quero antecipar nada agora.

VB- O senhor acha que houve maniqueísmo da massa naquele momento?
- Sem dúvida. A população foi manipulada do ponto de vista psicológico. Houve uma manipulação das massas pela propaganda contra minha pessoa e meu governo. Essa foi uma violação brutal, sobretudo jovens da classe média que foram utilizados como inocentes úteis nesse processo. Eu já recebi várias cartas e visitas pessoais de alguns jovens que naquela época tinham 13, 14 anos, e hoje com 17, 18 e até 21, chegam para mim dizendo que agora entendem como eles foram utilizados naquele processo.

VB- A mídia que se mobilizou para levá-lo à Presidência da República foi a mesma que contribuiu para retirá-lo do cargo?
- Claro! Eu não sei é se houve esse apoio à minha campanha para a Presidência. Houve uma cobertura grande da mídia à minha ação como governador do meu Estado. Até porque eram fatos que se criavam dentro do Estado, era uma nova forma de administrar que se fazia necessário implantar não só em Alagoas, mas em outros Estados do país. Isso era notícia e, logicamente, a mídia divulgava essa ação. A partir do momento em que fui candidato à Presidência da República, você nota uma mudança muito grande no comportamento da mídia em relação a minha candidatura. Eu até entendendo, porque tínhamos nomes importantes da política nacional, eram 15 ou 16 candidatos. Era natural que essas pessoas com 40, 50 anos de vida pública tivessem um relacionamento maior com os órgãos da chamada grande imprensa. Eles com 40 anos de vida pública e eu com 40 anos de idade. A partir daí não vimos nenhuma manifestação de apoio à mídia, ao contrário, a grande imprensa foi muito agressiva contra a minha.

VB- Por que o senhor diz que está faltando ao governo vontade e determinação política?
- Digo isto porque, em 1990, tomei posse em março e em novembro já tinham eleições. Me lembro muito bem que nem por isso deixei de tomar todas as medidas necessárias independentemente da questão de estarmos próximos ou não de uma eleição. Ao governo está faltando determinação, vontade política e tutano para comandar as reformas e sensibilizar não só o Congresso Nacional, mas a sociedade, para o acerto das reformas que precisa o país.

VB- Num dado momento do seu governo ventilou-se a possibilidade da formação de uma coalizão e o hoje presidente Fernando Henrique Cardoso, na época senador da República, foi convidado para ser ministro das Relações Exteriores. Foi impedido por Mário Covas. Isso realmente foi verdade?
- Ele esteve para ser ministro dessa pasta duas vezes. Quero dizer que, pessoalmente, tenho um grande apreço pelo presidente. Ele é uma pessoa encantadora e sempre digo que é meu marxista preferido (comenta em tom de ironia). Ele quis ser meu ministro e ficou encantado com a idéia. E eu também fiquei encantado com o fato de poder tê-lo no meu Ministério porque, quando fechei o acordo com o presidente do PSDB, na época Franco Montoro, caberia ao PSDB os ministérios da Fazenda, que seria ocupado pelo deputado José Serra, e das Relações Exteriores, pelo então senador Fernando Henrique Cardoso. Veja bem, eu estava composto com o PSDB e entregando aos tucanos o Ministério da Fazenda, um partido adversário. Então é claro que eu queria me cercar de pessoas que reputava como importantes. Mas não tenho dúvida de que Fernando Henrique seria um grande ministro para essa pasta, com muita desenvoltura, principalmente pelos salões. Você solta ele nos palácios, em um lugar acarpetado, com boa música de câmera, com violinos, que ele se sai maravilhosamente bem.

VB- Qual é a expectativa do senhor. Fernando Collor pretende se candidatar antes do ano 2000, já que está sendo inocentado pela justiça?
- Não farei nada para isso. Até porque não quero retirar do Senado essa satisfação que ele deve a si próprio, enquanto instituição. O Senado cassou o mandato de um presidente e os seus direitos políticos única e exclusivamente na suposição de que as acusações que lhes faziam eram verdadeiras. Muito bem, dois anos depois da investigação, eu sou o político mais investigado da vida republicana do país. Investigaram toda a minha vida e não encontraram nada

1 comentários:

Anônimo disse...

bela entrvista.
Gostaria de saber se ainda tem as fotos desse encontro e qual foi o resultado dela para o crescimento da revista.
grato